“Os conceitos marxistas de ideologia e alienação denunciam as ilusões do conhecimento:
as “verdades” da classe dominante, impostas como universais, são antes o produto das condições materiais de produção. O fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), ao criar, por sua vez, a hipótese do inconsciente coloca em xeque a crença racionalista segundo a qual a consciência humana possui controle sobre os desejos: antes disso, o indivíduo reage às forças conflitantes de suas pulsões sem conhecer os determinantes de sua ação (o papel da psicanálise seria ajudar o indivíduo a tomar consciência de seus desejos reprimidos, auxiliando-o na superação do
comportamento neurótico).
A filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900) não se confunde com o pensamento de Marx ou Freud, mas compartilha com eles algo crucial: a destruição – a golpes de martelo, como dirá o próprio Nietzsche – da ilusão da certeza. É, afinal, a crise da racionalidade moderna que se anuncia na obra desses pensadores.
Nietzsche coloca-se contra toda filosofia sistemática, de Platão a Hegel. Aliás, ele subverte a noção tradicional segundo a qual a filosofia teria surgido com a superação do pensamento mítico. Ao estudar a transição do período arcaico ao clássico da Grécia Antiga, Nietzsche nota a existência de dois princípios contraditórios que, no entanto, se
contrabalançavam e se completavam mútua e dialeticamente. Assim, ao “espírito apolíneo” contrapunha-se o “espírito dionisíaco”, ou seja, no lado oposto à racionalidade ordeira encontrava-se o excesso festivo e a embriaguez.
O objetivo de Nietzsche?
Suprimir a base, a partir do qual os valores da tradição cristã foram erigidos, demolir seu fundamento metafísico (que nada prova) e demonstrar, de um lado, a historicidade de valores que se fizeram passar por universais e, de outro, como sua construção, afinal, não é divina, mas humana, demasiado humana. E mais do que isso: pretende demonstrar como os valores da tradição socrático-cristã são niilistas, pois depreciam a vida e desprezam o corpo (Saiba Mais). A
alma, continua Nietzsche, foi forjada “para arruinar o corpo”. O “mundo verdadeiro” da metafísica é o “atentado mais perigoso contra a vida”, é a “máxima objeção contra a existência”. É preciso, então, suprimir o além, restabelecer o equilíbrio entre os valores vitais (“espírito dionisíaco”) e a razão (“espírito apolíneo”), combater e inverter os valores da tradição cristã para que surjam outros, afirmativos da vida. A essa empreitada, Nietzsche chama “a transvalorização de todos os valores”.
A “morte de Deus” presente no pensamento nietzschiano, significa, enfim, a ruptura com o modelo de pensamento metafísico, baseado na dicotomia entre aparência e realidade, falsidade e verdade, bem e mal. Todo conhecimento, portanto, é resultado de uma construção resultante também de interesses e condicionamentos subjetivos, sujeitos a impulsos e anseios.
O conhecimento, desse modo, resume-se à interpretação, à atribuição de sentidos, sem jamais constituir-se em uma explicação definitiva da realidade. Os sentidos, por sua vez, são atribuídos a partir de uma escala de valores que se quer promover. O papel da filosofia é, pois, interpretar a história da formação dos valores, identificando os diferentes processos de formação de um texto, observando suas lacunas e seus espaços em branco, desmascarando a pretensa
universalidade de “verdades” que, no fundo, são historicamente construídas.
Para Nietzsche a verdade é: “Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são.”
Sintetizando, Nietzsche ao colocar em questão o valor dos valores, procura demonstrar que a pretensa universalidade dos valores da tradição socrático-cristã não passam de uma construção histórica cujos frutos são nocivos à vida. A transvaloração de todos os valores é, finalmente, a coragem de erigir novos e humanos valores, voltados para o florescimento e intensificação da vida humana”.
Texto integrante da apostila do curso de Filosofia da Unisa Digital, professor Antonio Carlos Banzato A. Santos. São Paulo 2007
Referência bibliográfica:
Marton, Scarlett. Niettzsche; A transvaloração dos valores. São Paulo: Moderna, 1993.
Genealogia da moral, de Nietzsche
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